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Sem matéria-prima, safra de cana-de-açúcar diminui 50% em Campos

O município já foi o maior produtor de açúcar da América Latina

Campos
Por Redação
12 de novembro de 2017 - 0h01

O setor sucroalcooleiro em Campos está agonizando. Embora – antes do período de safra, em abril – as expectativas para a produção de 2017 não fossem altas, o resultado da moagem de cana nas três usinas em funcionamento no município ainda foi muito abaixo do esperado. Em percentuais, segundo levantamento do Sindicato da Indústria Sucroenergética, o faturamento deste ano será na ordem de 40 a 50% menor do que no ano passado.

usina-de-acucar-moendo-silvana-rust36Os motivos são econômicos, ambientais e administrativos — o preço do açúcar caiu 50%; faltou matéria-prima devido à estiagem; e, segundo os produtores rurais, o governo municipal não estaria promovendo ações efetivas a fim de reverter essa situação, mesmo esta sendo uma promessa de campanha. Tanto que Campos foi um dos poucos municípios da região que não decretaram “Situação de Emergência” por conta da seca que prejudica a agricultura, medida que faria com que o Governo Federal liberasse recursos para apoiar as ações de recuperação. Questionados sobre a esperança de que o setor volte a prosperar como nos tempos áureos, tanto os empresários quanto os funcionários foram unânimes ao afirmar: se não houver investimento e compromisso, a produção de cana-de-açúcar pode se tornar uma vaga lembrança de um passado próspero e distante.

A safra de 2017 começou em maio e junho deste ano e terminou no início do mês de outubro. Esperava-se que as três usinas – Coagro, Paraíso e Canabrava — moessem aproximadamente 1200 toneladas de cana-de-açúcar, quantitativo 15% menor do que o da safra anterior, quando foram produzidas 1400 toneladas da matéria-prima. No entanto, a última safra foi marcada pela menor moagem dos últimos anos: apenas 940 toneladas de cana, divididas entre as três indústrias. Considerando que essa quantidade poderia ter sido produzida em apenas uma unidade, o prejuízo foi grande.

Em abril deste ano, o Jornal Terceira Via publicou a reportagem intitulada “Safra dos sobreviventes: moagem deve ser 15% menor este ano”. Embora o título fosse alarmante, os entrevistados declararam que 2017 seria “um ano promissor”, uma vez que a Usina Paraíso, que até 2016 estava produzindo apenas etanol, voltou a apostar no açúcar e esperava-se que essa retomada contribuísse para o aumento da produção. Mas o tiro saiu pela culatra.

frederico-paes-coagro-silvana-rust19O proprietário da Usina Paraíso, Maurício Coutinho, lamenta o investimento não recuperado. “No ano passado, o lucro não foi alto, mas como investimos apenas no etanol, o custo de produção também foi menor. Agora, além da decepção com a moagem, injetamos um capital e não tivemos retorno”, disse. O presidente da Cooperativa Agroindustrial do Estado do Rio de Janeiro (Coagro) e da Sindicato da Indústria Sucroenergética, Frederico Paes, concorda. Ele disse que o prejuízo para os produtores foi “enorme”.

Baixo preço do açúcar
Ainda de acordo com Frederico Paes, os preços dos produtos derivados da cana tiveram uma queda inesperada este ano, principalmente o açúcar, carro chefe das usinas de Campos. “Todos os órgãos de consultoria indicavam um ano razoável para o açúcar, mas o mercado internacional deu um descontrole total e o produto caiu abaixo do custo de produção. Então, a usina não pode fazer só álcool, tem que fazer os dois produtos e, consequência disso, é que praticamente nós tivemos que pagar para trabalhar”, afirmou o presidente Frederico Paes.

Aliás, quem dita o preço da cana-de-açúcar é o mercado, que funciona em commodity agrícola — negociado em bolsas mercadorias, com preços definidos em nível global, pelo mercado internacional. Isso significa que outros estados que também investem na produção de cana e têm mais sucesso — como São Paulo, Mato Grosso e Goiás —, têm também o preço na mão. “Se eles têm uma safra boa, podem vender mais barato. E nós, como somos submetidos a esses preços globais e estamos com a produção baixa, temos grandes prejuízos”, explicou o presidente do Sindicato dos Produtores Rural de Campos, Ronaldo Bartolomeu dos Santos Júnior. Ele disse ainda que uma única usina em São Paulo deve ter produzido em 2017 cerca de 3 a 4 milhões de cana. “Nós temos que acompanhar o preço de quem produz mais. É como ter uma Ferrari para andar em uma estrada esburacada. De nada adianta”, disse.

Situação de Emergência
O presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Campos foi enfático ao afirmar que, para os trabalhadores do setor sucroalcooleiro, a situação do município está “um desastre”. Ele disse que, se já não bastasse o baixo preço do açúcar e a grave estiagem na região, o superintendente de Agricultura do município, Nildo Cardoso, não decreta

“Situação de Emergência”. Essa medida poderia contribuir para que as autoridades das esferas superiores conhecessem a atual conjuntura e disponibilizassem verba para ações de recuperação do setor.
Municípios das regiões Norte e Noroeste Fluminense já solicitaram o decreto: São João da Barra, Bom Jesus do Itabapoana, São Fidélis, Italva, Varre-Sai e Santo Antônio de Pádua. São Francisco de Itabapoana também está tomando as providências para tomar essa medida.

Técnicos, Sindicatos, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), a associação dos produtores, a UFRRJ, a Pesagro, entre outros órgãos e entidades defendem que o município de Campos decrete situação de emergência.

“Não resolve a situação de falta de chuvas, mas anemiza a situação futura do produtor. Por exemplo, acesso a financiamento para recompor as lavouras, montar projetos de irrigação e outros fatores que podem ajudar ao produtor através do governo federal.

Campos não é um oásis, todos os municípios vizinhos decretaram. Estamos no deserto. Esperamos que o prefeito Rafael Diniz respeite a situação técnica”, explicou o presidente da Coagro.

De acordo com Bartolomeu, na safra de 2017 foram gerados aproximadamente três mil empregos, no entanto, com a baixa produção da matéria-prima, esses trabalhadores receberam menos do que esperavam quando foram contratados. “Acontece que, para as usinas funcionarem, é necessário certo quantitativo de funcionários, independente da quantidade de produção. Isso significa que, se houver muita cana a ser moída, esses funcionários recebem mais; se houver pouca, como este ano, recebem menos porque a mão de obra vai pesar na despesa da usina. Agora imagina… Se está ruim para os empresários, imagina para os produtores rurais que trabalham de forma braçal e mal tem condições de levar alimento para casa?”, destacou o presidente do sindicato.

Ele criticou ainda a postura do superintendente de Agricultura. “Nós, produtores, não entendemos a postura do superintendente. Além de não decretar Situação de Emergência, ele também não aceitou a proposta do Governo do Estado de disponibilizar patrulha mecanizada para fazer a manutenção das estradas vicinais do município por R$ 40 mil mensais — uma mixaria, considerando o tamanho de Campos. Por quê? Por causa de política, por falta de compromisso e de interesse. O prefeito disse em campanha que o que tiraria a cidade do atoleiro era a agricultura, mas não está investindo nisso”, afirmou.

Posicionamento da Prefeitura
Sobre o decreto de “Situação de Emergência”, o superintendente de Agricultura e Pecuária, Nildo Cardoso, informou que “não se pode entrar com o pedido de forma abrupta, principalmente pelo fato de que é necessário levantamento detalhado das consequências da estiagem na cidade, levando em consideração sua dimensão territorial e número de habitantes”. Ele afirmou ainda que “é necessária interação com as entidades do setor e com os órgãos competentes da gestão envolvidos para monitoramento da situação e avaliação dos procedimentos que já estão sendo adotados em relação à questão, como as intervenções de máquinas nos canais da Baixada, que tem o objetivo de aliviar os efeitos da estiagem para os produtores rurais”.

“O município já compilou as informações a fim de embasar, de forma técnica e jurídica, a decisão da decretação ou não da situação. Este documento para ser encaminhado ao Estado e Ministério da Integração Nacional para dar ciência das consequências da estiagem no município de Campos e região”, declarou.

Já sobre a recusa da patrulha mecanizada proposta pelo Estado, o superintendente disse que, ao contrário do foi dito pelo presidente do sindicato, “o valor ofertado por órgão do estado pelos equipamentos em questão, ultrapassa R$ 58 mil mensais, conforme consta em contrato, em uma situação em que não foi permitida fiscalização por parte da superintendência, para verificação das condições de trabalho destes equipamentos”.

Segundo o órgão municipal, ainda, “o mesmo equipamento foi oferecido a outros municípios, porém somente a custo do combustível e pagamento dos operadores do maquinário, mas ao município de Campos, foram exigidos, ainda, outros itens que correspondem à alimentação e transporte dos funcionários que trabalhariam operando os equipamentos”.

seca-rio-paraiba-silvana-rust18Estiagem comprometeu produção
Especialistas em Meio Ambiente afirmam que o clima na região mudou. Segundo eles, depois de quatro anos com pouca chuva, o clima hoje é semelhante ao semiárido. Depois da grande seca de 2014 — a maior seca do século, com apenas 500 milímetros de chuva — o índice em Campos assemelha ao agreste nordestino. “É impossível fazer agricultura e pecuária com essa precipitação”, disse o presidente do Sindicato da Indústria Sucroenergética.

Segundo relatório efeitos do clima sobre a produtividade da cana-de-açúcar elaborado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), os dados do balanço hídrico para a cultura, com base nos dados do Posto Climatológico do campus de Campos, verifica-se que as chuvas do ciclo 2016-2017 não foram suficientes para atender a demanda, constatando-se, até o final de maio, déficits de 1193,9mm para o ciclo das lavouras plantadas no início de 2016 (cana-planta) e déficits de 816,9 mm e 806,94 mm para os ciclos das socas colhidas em junho e setembro de 2016, respectivamente.

Para a próxima safra, em 2018, a lavoura de cana de açúcar já perdeu 50% também por causa da falta de chuvas. A produção será suficiente apenas para colocar umas das três usinas em operação. Frederico afirma que a agricultura está à beira do caos.

“Precisa chover muito para manter esses 50% (perda já existente), não há como qualificar o que está acontecendo com o campo. Tem que andar por lá, conversar com o produtor para ter uma ideia do que está acontecendo”, afirma Frederico Paes. Ele acrescenta que 2018 é um ano preocupante.

“As lagoas secaram, sem nenhum tipo de drenagem. Em 2014 aconteceu a pior estiagem dos últimos 100 anos, mas naquela época os lençóis estavam razoáveis por causa dos anos anteriores. Agora não tivemos chuva suficiente em 2015 e 2016, por isso o estrago pode ser maior” destaca.