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Entrevista com Naira Peçanha: uma lição de vida muito especial

Professora que administra a APAPE fala sobre a luta constante dos deficientes

Campos
Por Coluna do Balbi
9 de outubro de 2017 - 0h01

apape-naira-silvana-rust-60Ela é professora e funcionária Pública Estadual atuando na Fundação Leão XIII. Com o nascimento da filha Lorena e a descoberta aos seus seis meses de vida que a mesma era uma pessoa com Deficiência com diagnóstico de Paralisia Cerebral, teve que se mudar para o Rio de Janeiro em busca de tratamento, uma vez que a cidade de Campos não estava preparada para o tratar de Encefalopatia Crônica. Sua luta pela sobrevivência da Lorena a levou até a APAPE, onde há sete anos, atua como presidente. Com muita luta tem conseguido reerguer a APAPE que se encontrava fechada, sem qualquer parceria pública. Sua fé incondicional à tem impulsionado a lutar dia a dia para que a APAPE seja um espaço de acolhimento das famílias que trazem consigo o desconhecido.

Hoje a APAPE atende a 276 Pessoas com Deficiência, portadoras de diversas síndromes e tem sido referência no tratamento do Autismo. Ela foi uma das que recebeu esse ano o prêmio “Sou 3a Via”.

Como é dedicar boa parte, ou a maior parte do seu tempo as crianças especiais?
A vida nos impõe muitos desafios e o maior deles foi há 28 anos atrás quando Deus me entregou a minha filha, Lorena, que é uma pessoa com deficiência. Desde então aprendi com ela que estamos nesse mundo para servir e em 2010 mais um desafio me foi entregue, 113 famílias com pessoas com deficiência, que hoje são 272, e dedicar grande parte do meu tempo a elas é viver a mais nobre das experiências, e aprender com elas que vale a pena amar, lutar e acolher. E isso não seria possível sem o suporte do meu marido e da minha família e tendo a consciência que isso não vem de nós, é dom de Deus.

A sociedade de um modo geral está mais sensível diante da necessidade dessas crianças?
Vejo a sociedade ainda muito distante dessa sensibilidade, não porque ela não quer, mas porque a ela foi imposta uma visão narcisista, que cria um mal hábito de não se importar com as necessidades do outro. Entretanto não posso deixar de ressaltar que existem pessoas que se sensibilizam com a causa e tem feito a diferença na vida das pessoas com deficiência, oportunizando a elas a superação dos limites que são impostos pela deficiência.

A inclusão social delas melhorou em Campos?
Para falar de inclusão social temos que ter um olhar em todos aspectos, desde a acessibilidade quanto a mobilidade urbana, educação, saúde, transporte, cultura, lazer e aceso de políticas públicas de forma digna, como por exemplo a educação, que ainda é um segmento que precisa avançar e criar estratégias para que essa inclusão se estabeleça.

E a expectativa de uma inclusão profissional?
Ainda existem poucos estabelecimentos que oferecem oportunidades para as pessoas com deficiência, como por exemplo o Super Bom em parceria com a APOE, porém a inclusão profissional tem muito o que avançar para que essas pessoas tenham acesso a não somente mais oportunidades de empregos, mas a cursos profissionalizantes e ensino superior. Para isso são necessárias políticas públicas para contribuir e criar espaços acessíveis para elas, promovendo programas e projetos mais eficientes.

As leis que amparam as crianças especiais são tímidas? Precisavam ser melhores?
As leis são abrangentes, desde a constituição que consagra a pessoa que tem algum tipo de deficiência o pleno direito aos bens civilizatórios, até o estatuto da pessoa com deficiência, que é uma luta de mais de uma década, e que em janeiro de 2016 foi implementada. O que falta hoje é a execução destas em sua plenitude pelo poder público.

De um modo geral Campos está na média ou atrasada neste tipo de assistência?
Considerando que é de responsabilidade do poder público assegurar a proteção social especial as pessoas com deficiência, fomentando políticas públicas como preconiza a constituição brasileira e outras leis como a 13.146, que é o Estatuto da Pessoa com Deficiência, visualizo campos, já há alguns anos dando passos nessa direção, como também neste ano de 2017, com o projeto do paraesporte, implementado pela fundação municipal de esporte, mas ainda há muito o que fazer para que a nossa cidade inclua a pessoa com deficiência nas múltiplas dimensões da sociedade.

Essas crianças percebem que necessitam de mais amor, de um amor diferenciado?
Acredito que amor é único, elas necessitam sim, de mais atenção e carinho do que uma criança autônoma, porém o que mais falta é o respeito. E elas tem noção de um olhar diferenciado, preconceituoso e de pena, de alguém na rua, por exemplo, e isso magoa, paralisa sua luta, cria nelas a ideia que são um corpo estranho na sociedade, que não a pertencem. Então o respeito e a noção de que elas tem diferenças, mas que no fundo são iguais a todos nós, com os mesmos direitos e com potencialidades, essa visão falta na sociedade.

Existe uma carência hoje de estabelecimentos como o que você administra?
Hoje em Campos temos 4 OSCs ( Organização da Sociedade Civil) que atendem mais de 1200 pessoas com deficiência e suas famílias, através de programas e projetos em parceria com o poder público municipal, mas não são suficientes para acolher toda a demanda reprimida que é expressiva, deve-se haver ampliação dos programas existentes, uma vez que as OSCs tem capacidade instalada para acolher e também oportunizar a outras realizar o trabalho, fazendo com que tiremos pessoas do isolamento social em que vivem.

E os profissionais estão treinados para esse tipo de assistência?
Posso falar com propriedade da equipe transprofissional atuante na APAPE, que tem expertise quanto a deficiência mental, sensorial, física e intelectual, entretanto acho que falta em muitos profissionais, de vários segmentos, o desejo de buscar conhecer essa realidade e entender que cada ser é único em suas peculiaridades e incapacidades, não se dando a oportunidade de vivenciar experiências e conhecimentos.

Muita gente tem vontade de saber que tipo de trabalho voluntário pode ser feito. Como elas podem ajudar?
Temos um programa chamado “Cuidando de quem cuida”, em que é possível as pessoas apadrinharem uma criança (pessoa com deficiência) e sua família, que se encontram na demanda reprimida, a fim de que tenham acesso a todos serviços ofertados na instituição, temos também outros eventos beneficentes, que algumas pessoas da sociedade civil nos auxiliam na arrecadação de recursos. Quem se interessar em ajudar ou apadrinhar uma criança pode entrar em contato com a APAPE através da nossa página no facebook ou por telefone ( (22) 3026-1322).

Em relação essas crianças você sonha o quê para elas?
Eu tenho muitos sonhos para elas, sonho que essa descriminalização um dia possa acabar, sonho para que existam profissionais capacitados em escolas e faculdades, para que elas possam ter um acesso à educação com excelência e se tornem médicos, engenheiros, advogados, professores, e muito mais, sonho que todas possam ter acesso a saúde de forma digna, que não tenham que esperar anos para receber um tratamento, sonho para que as famílias tenham autonomia de lutar pelos direitos delas. Sonho para que elas tenham seu lugar de forma digna na sociedade.

Como foi receber o prêmio 3a Via?
Foi gratificante receber a oportunidade de mostrar nosso trabalho, para que outras pessoas conheçam e se engajem nessa luta conosco, também fico feliz de receber esse reconhecimento por parte do sistema 3a Via, isso me mostra que vocês se importam com essa causa e se cada vez mais os órgãos da mídia tiverem essa consciência as chances de conquista desse segmento populacional que vive em desvantagem social serão promissoras. Vocês têm sido a nossa voz!