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Juiz afirma em sentença que Garotinho praticou pelo menos 18 mil vezes o crime de corrupção eleitoral

Leia trechos da sentença que condenou o ex-governador a nove anos de prisão

Campos
Por Thiago Gomes
13 de setembro de 2017 - 18h03
Garotinho cumpre prisão domiciliar deste a tarde desta quarta-feira, na Lapa (Foto: Carlos Grevi)

Garotinho cumpre prisão domiciliar deste a tarde desta quarta-feira, na Lapa (Foto: Carlos Grevi)

Dezoito mil. Este foi o numero de vezes que o ex-governador Anthony Garotinho (PR) praticou o crime de corrupção eleitoral em Campos, durante o pleito de 2016. Este dado faz parte dos argumentos usados pelo juiz da 100ª Zona Eleitoral, Ralph Manhães, em sua sentença, proferida nesta quarta-feira (13), que condenou o político a nove anos de prisão. Ele foi preso pela Polícia Federal (PF) na sede da Rádio Tupi, na capital fluminense, enquanto apresentava o programa “Fala Garotinho”, por volta das 10h30 desta quarta.

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“Em data não precisada, mas aproximadamente no mês de maio de 2016, nesta cidade, o denunciado, de forma livre e consciente, em comunhão de ações e desígnios com ANA ALICE RIBEIRO LOPES ALVARENGA, GISELE KOCH SOARES, OZÉIAS AZEREDO MARTINS e MIGUEL RIBEIRO MACHADO, já denunciados, além de outras pessoas ainda por identificar, associou-se criminosamente (artigo 288 do Código Penal), de modo estável e permanente, com a finalidade de praticar, pelo menos 18 mil vezes, o crime de corrupção eleitoral, previsto no artigo 299 do Código Eleitoral (dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita), mediante oferecimento de benefício social chamado Cheque Cidadão, em troca de votos nas eleições de 2016, aos candidatos a vereador e prefeito apoiados pelo denunciado”, destacou Ralph Manhães em seu despacho com centenas de folhas.

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Garotinho foi condenado por crimes de formação de quadrilha, compra de votos e coação de testemunhas no curso do processo, praticados enquanto era secretário de Governo durante a segunda gestão de sua esposa, a ex-prefeita de Campos Rosinha Garotinho (PR). Ele chegou a Campos na tarde desta quarta-feira, passou por exame de corpo de delito, no Instituto Médico Legal de Campos (IML) e, em seguida, passou a cumprir prisão domiciliar em sua casa, na Lapa.

Ainda na sentença, o magistrado faz uma cronologia dos atos do ex-governador:

A partir de junho de 2016, o denunciado, juntamente com a secretária de Desenvolvimento Humano, Ana Alice, e da coordenadora Gisele, determinou que cada Centro de Referência de Assistência Social (Cras) somente poderia incluir, mediante avaliação social, o máximo de cinco beneficiários, enquanto que os candidatos apoiados pelo denunciado poderiam inserir centenas de beneficiários, sem qualquer avaliação social.

Por volta do mês de setembro de 2016 (…) deliberou e ordenou a supressão de documentos públicos e arquivos de computador, referentes aos beneficiários do Programa Cheque Cidadão, incluídos a partir do início dos trabalhos de digitação, determinados pelo denunciado, cujos documentos serviriam como prova da fraude encetada para inflar o quantitativo de beneficiários do Programa Cheque Cidadão, em troca de voto (artigo 305 do Código Penal)”.

No mês de outubro de 2016, em locais que não se pode precisar, nesta cidade, o denunciado coagiu e constrangeu, mediante grave ameaça, as testemunhas Alessandra da Silva Alves Pacheco e Verônica Ramos Daniel, com o fim de favorecer interesse próprio e alheio na investigação policial objeto da presente denúncia (artigo 344 do Código Penal)”.

Vereadores beneficiados
Em outro trecho da sentença, o magistrado explica que as fraudes praticadas com o consentimento e participação de Garotinho influenciaram na composição da Câmara Municipal de Campos. “O denunciado alcançou êxito na empreitada criminosa, com a eleição de pelos menos 11 do total de 25 vereadores, além de diversos suplentes”.

Na folha 25 dos autos do processo está anexado um documento apreendido na Secretaria de Desenvolvimento Humano e Social, onde constam os nomes de vários candidatos e o quantitativo de Cheques Cidadãos que cada um recebeu para distribuição e a relação das localidades desses candidatos.

Custo aos cofres públicos
“O esquema criminoso sob apuração, além de ferir frontalmente a democracia, sangrava os cofres públicos em valor equivalente a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais) por mês, o que representaria um rombo de R$ 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões) por ano, caso esta sangria não fosse estancada por meio de decisão judicial. Com efeito, não houve um simples esquema de compra de votos, mas uma verdadeira avalanche de crimes com a sangria do dinheiro público para a eleição de um grupo político ligado ao ora réu”, analisou o juiz.

Segundo os autos do processo, a interrupção “da empreitada criminosa” só ocorreu no final de setembro de 2016, com a decisão do Juízo da 99ª Zona Eleitoral de suspender o pagamento dos benefícios cadastrados a partir de maio daquele ano.

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Tentativa de barrar as investigações
“Várias tentativas não republicanas foram feitas, como demonstram as interceptações telefônicas autorizadas por este juízo, para que se interrompessem as investigações em curso, tendo o réu feito vários contatos com autoridades da República neste sentido, como por exemplo, Ministro da Justiça, Superintendente da Polícia Federal, além da tentativa de contato com o atual mandatário do País, bem como com demais autoridades, o que indica uma flagrante tentativa de interferência nos órgãos republicanamente constituídos”, afirmou o magistrado.

Depoimentos
O juiz classifica como chocante os depoimentos colhidos durante o processo. Ainda na justificativa da condenação de Garotinho, Ralph Manhães usou parte do depoimento de Henrique Oliveira, ex-coordenador de Defesa Civil, que assumiu a Secretaria de Desenvolvimento Humano e Social após a prisão da secretária Ana Alice Ribeiro Lopes Alvarenga. O depoimento foi tomado no dia 18 de novembro de 2016:

“(…); QUE foram recadastradas aproximadamente quatorze mil pessoas; (…); QUE, como dito acima, nenhuma das pessoas recadastradas foi submetida a avaliação técnica das assistentes sociais da Prefeitura; QUE não sabe informar quantas pessoas recadastradas têm perfil para receber o benefício do cheque cidadão, pois, de acordo com a legislação em vigor que regula a matéria, há a necessidade da realização das avaliações técnicas das assistentes sociais; QUE conversou com o Secretário Municipal de Governo, ANTHONY GAROTINHO, sobre o resultado do recadastramento; QUE advertiu o Secretário ANTHONY GAROTINHO acerca da suposta ilegalidade no pagamento dos benefícios das pessoas recadastradas; QUE ANTHONY GAROTINHO disse ao depoente que as pessoas recadastradas haviam assinado uma declaração afirmando a sua própria pobreza e a sua condição de estarem dentro do perfil do programa social; (…), QUE o próprio depoente advertiu algumas pessoas sobre a repercussão criminal de uma possível declaração falsa, pois desconfiou que, pelo modo de trajar de algumas pessoas, alguns recadastrados não estivessem dentro do perfil do programa social (…)”.