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Feminicídio: fronteira entre o ódio e o amor

O feminicídio não para de crescer em todo o país e em Campos pelo menos quatro casos abalaram a sociedade

Campos
Por Thiago Gomes
10 de setembro de 2017 - 0h01

Ana Paula Ramos, Geciane Silva de Medeiros, Patrícia Manhães, Mônica Gomes Rangel, Rita de Cássia Medeiros… todas foram mortas em Campos, vítimas de crimes de ódio motivados pela condição de serem mulheres. O feminicídio é um artigo novo do Código de Processo Penal brasileiro, que torna mais grave o assassinato de mulheres que ocorram em condições específicas. Apesar de recente, o crime tem crescido nos últimos anos. De acordo com dados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), no território fluminense ocorreram 22 feminicídios em 2015; no ano seguinte foram 54 e, neste ano, apenas nos primeiros sete meses, já foram 50. Mas o problema da violência contra a mulher não é algo restrito às divisas do município ou limites do estado. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a taxa de feminicídios no Brasil é a quinta maior do mundo.

Mas o que é feminicídio?
A presidente da Comissão que trata dos direitos da mulher na Ordem dos Advogados do Brasil em Campos (OAB-Mulher), Marta Maria Mello de Oliveira, explica que não basta assassinar uma mulher para que o feminicídio seja caracterizado. A Lei no 13.104, sancionado pela ex-presidente Dilma Rousseff em 9 de março de 2015, altera o Código Penal brasileiro para incluir o feminicídio entre os tipos de homicídio qualificado.

“O feminicídio é o assassinato de mulher pela simples condição de a vítima ser mulher. Muitas vezes motivado pelo ódio, pelo sentimento de perda do controle de posse da mulher, por exemplo”, esclareceu a advogada, acrescentando que violência doméstica ou familiar e discriminação à condição de mulher também podem caracterizar o feminicídio.

Depois que a lei do feminicídio entrou em vigor, três fatores principais mudaram em relação ao homicídio comum: penas mais severas, crime inafiançável e progressão da pena por bom comportamento mais difícil de ser alcançada. Enquanto a pena para o homicida (que cometeu um homicídio simples) varia de 6 a 20 anos, o feminicida pode pegar 12 a 30 anos de prisão.

Números alarmantes
O Brasil ocupa a quinta maior taxa de feminicídio do mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de assassinatos no Brasil chega a 4,8 para cada 100 mil mulheres. O Mapa da Violência de 2015 aponta que, entre 1980 e 2013, 106.093 pessoas morreram por sua condição de ser mulher. As mulheres negras são ainda mais violentadas. Apenas entre 2003 e 2013, houve aumento de 54% no registro de mortes, passando de 1.864 para 2.875 nesse período. Muitas vezes, são os próprios familiares (50,3%) ou parceiros/ex-parceiros (33,2%) os que cometem os assassinatos. Esses dados foram divulgados em agosto de 2017.

Morta pela cunhada
O feminicídio não é um crime cometido apenas por homens. Este foi o caso da universitária Ana Paula Ramos, 25 anos, que chocou recentemente a cidade. Ela foi morta na noite do dia 19 de agosto em uma emboscada armada pela cunhada, Luana Sales, de 24 anos. O delegado responsável pelas investigações, Luís Armond, da 146ª Delegacia Legal (Guarus), classificou o caso como feminicídio.

A vítima foi alvejada a tiros na praça do Parque Rio Branco, em Guarus, após ser enganada pela cunhada, Luana Sales, presa pela Polícia Civil por suspeita de ser a mandante do crime. Segundo o delegado titular da 146a Delegacia Legal de Guarus – responsável pela investigação do caso – Luana encomendou a morte da cunhada para Marcelo Henrique Damasceno de Medeiros, 25. Este, por sua vez, contratou dois homens para executarem a vítima – Wermison Carlos Sigmaringa Ribeiro, de 19 anos e Igor Magalhães de Souza, de 20 anos. Luana, que é administradora de empresas e trabalhava em uma agência bancária da cidade, teria pagado R$2.500 pela execução da cunhada. Todos estão presos.

Assassinada no Jockeygeciane-carro-543x360
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, por meio do Grupo Especial de Combate a Homicídios de Mulheres (GECOHM/ MPRJ), denunciou Fabiano de Melo Pessanha por feminicídio. Ele assassinou a tiros, em março deste ano, sua mulher, Geciane Silva de Medeiros, de 40 anos, no bairro Jockey Clube. Na denúncia, ajuizada em julho, o MPRJ ressalta que Fabiano revelou menosprezo em relação à vítima, sua companheira, tratando-a como objeto pessoal, em razão da condição do sexo feminino, caracterizando, desta forma, o crime de feminicídio. Fabiano tem 38 anos de idade e já se encontrava em prisão temporária desde o mês de junho. Após a denúncia do MPRJ, foi decretada a prisão preventiva, pela 1a Vara Criminal da Comarca de Campos dos Goytacazes. Logo após o crime, Fabiano havia alegado que os dois tinham sido vítimas de assalto e que os bandidos teriam atirado em Geciane.

Assassinato encomendado pelo marido
A analista judiciária Patrícia Manhães, 42 anos, foi assassinada a tiros dentro de seu carro no final da tarde do dia 13 de abril. Ela estava no estacionamento da Guarda Ambiental, no bairro Ceasa, aguardando o marido, guardas civis municipais Uenderson de Souza Mattos, 33 anos, que teria entrado no órgão para falar com um primo. Uenderson foi apontado como principal suspeito do crime e teve prisão cumprida no dia 25 do mesmo mês. Patrícia chegou a ser socorrida e levada para o Hospital Ferreira Machado, mas não resistiu. O motivo do assassinato ainda é um mistério, já que os envolvidos negam participação no crime, mas foi qualificado como feminicídio. A Primeira Vara Criminal de Campos decretou segredo de justiça ao processo criminal.

Espingarda calibre 12, a arma do crime
Mônica Gomes Rangel, de 29 anos, foi assassinada no dia 9 de março de 2017, no distrito de Vila Nova, na região Norte do município. O suspeito do crime é o ex-marido e a arma usada na execução foi uma espingarda calibre 12. Mônica morreu na frente de casa, na presença de uma filha que tinha 13 anos na época do crime. O casal estava separado há pouco tempo. De acordo com a lei que trata de feminicídio, a pena pode ser aumentada é aumentada de um terço até a metade se o crime for cometido “na presença de descendente ou de ascendente da vítima”.

Crime rompe o silêncio da pacata Estância da Penha
Rita de Cássia Henriques Medeiros, de 35 anos, perdeu a vida com vários golpes de faca desferidos pelo ex-marido Bruno Flávio Rocha Barreto, no dia 6 de setembro de 2015. O crime aconteceu na Rua José Machado Pinheiro, na Estância da Penha. Ela foi até a casa do suspeito para buscar os filhos e recebeu o convite para subir e conversar. Ao aceitar o apelo de Bruno, Rita não sabia que caminhava para a morte. Segundo o Ministério Público, Bruno esfaqueou a vítima repetidas vezes no quarto, no segundo andar da casa e ela ainda conseguiu descer as escadas e percorrer aproximadamente 50 metros até um bar, na esquina da rua principal, onde pediu socorro e caiu na calçada do estabelecimento. Rita de Cássia deixou três filhos de 18, 11, e 1 ano, que estão sob os cuidados de sua família.

Opinião do especialista
O feminicídio, poderíamos dizer, pode ser influenciado por vários fatores, quase todos atravessados por transtornos da personalidade. A mulher é uma figura simbólica muito importante na constituição da personalidade dos sujeitos, e a ligação que se estabelece, os vínculos afetivos são de tal maneira intensos, que uma relação parental pode produzir desvios patológicos deformando e adoecendo esses vínculos. Alguns homens têm muito forte essa presença da mãe. Nas futuras escolhas de parceiras ao longo da vida, alguns elegem a esposa como “mãe” e exigem delas tudo o que tiveram ou não! Podendo inclusive descarregar toda a sua agressividade/violência contra elas, se não aceitam esse “papel”. Por outro lado, as mudanças culturais, como maior autonomia sobre o corpo, sexualidade, gravidez, inserção no mercado de trabalho, sucesso profissional, podem se transformar num gatilho para aqueles dominados por uma cultura de poder “machista”, associada a traumas de infância… E existem os casos passionais, que podem ocorrer entre as próprias mulheres, produzindo ciúmes, inveja e violência, fatores relacionados à insegurança e frustração… Numa sociedade em crise estrutural de valores, regras, limites, banalização da violência, conceitos emitidos de forma confusa e deturpada, prioridade midiática de atos violentos ou bizarros, vivemos momentos críticos na possibilidade de convivência pacífica, mais tolerante e mais solidária.
Psicólogo – Luiz Antonio Cosmelli.