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É feia a situação da lagoa

Ecossistema sofreu esvaziamento, pesca mingou e crime ambiental ainda ameaça o espelho d'água

Campos
Por Thiago Gomes
23 de julho de 2017 - 0h01
O pescador Roberto Fernandes diz que a pesca de hoje não é farta como era antigamente. (Foto: Silvana Rust)

O pescador Roberto Fernandes diz que a pesca de hoje não é farta como era antigamente. (Foto: Silvana Rust)

Embora a Lagoa Feia já tenha perdido 46% de seu tamanho original, ela resiste como o segundo maior espelho de água doce do Brasil, com 170 km², no limite dos municípios de Campos dos Goytacazes e Quissamã. A ocupação humana, inclusive com a ajuda do poder público, e, principalmente, a atividade rural, são apontadas como as principais razões para esta baixa, que causou um dos maiores crimes ambiental da região. O nome que, diga-se de passagem, não faz jus as paisagens da Lagoa Feia, se deve ao fato de, ainda no século XVII, os colonizadores terem chegado ao local em um dia de tempestade, quando as águas estavam revoltas e assustadoras.

Hoje, a comunidade pesqueira do entorno, formada por cerca de 200 famílias, encontra dificuldade em tirar sustento da lagoa, segundo denúncia dos pescadores, por conta do manejo equivocado das comportas que regulam a vazão. Para eles, o problema não seria a falta de peixe, mas o excesso de água, que dificulta a pesca. Por outro lado, para ambientalistas, a retirada de pescado em excesso tem contribuído para o problema.

Crime ambiental sem precedentes nolvadex online

Pesca excessiva, risco de avanço das propriedades rurais e poluição são alguns dos problemas que colocam em risco o ecossistema da Lagoa Feia, na avaliação do ambientalista Aristides Soffiati.

Ele lembra que a Lagoa Feia já teve 370 km², segundo registros de 1900. Já nos anos 30, uma nova medição apontou queda da área para 335 km². “Parte desse espantoso processo de redução se deve ao avanço das propriedades rurais, que se intensificou na década de 1970. Quando a lagoa estava vazia, os proprietários aproveitavam para fazer barreiras que impediam o retorno da água para seu lugar. Com isso, o espelho d’água foi diminuindo e as fazendas aumentando”.

Segundo o ambientalista, o poder público também deu sua contribuição para que o espelho d’água da lagoa fosse reduzido. O extinto Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) drenou lagoas do entorno, que abasteciam a Lagoa Feia. As obras causaram polêmica e conflito com a comunidade pesqueira na época. Hoje, as águas que entram na lagoa são, basicamente, as dos rios Ururaí e Macabu. Ainda de acordo com ele, uma ligação subterrânea com o Rio Paraíba do Sul ajuda a Lagoa Feia a manter sua posição de segunda maior do país, atrás apenas da Lagoa dos Patos, com 10.114 km², localizada no Estado do Rio Grande do Sul.

A Lagoa Feia também é penalizada pela poluição do centro urbano de Campos. Mas como o esgoto do Canal Campos Macaé, por exemplo, vai parar lá, a cerca de 40 km de distância? Aristides explica: “O sistema de canais da região é extenso e complexo. Os dejetos jogados em um determinado canal vão parar em outro, e em outro, e acabam chegando ao Rio Ururaí, que é afluente da Lagoa Feia”.

Antabuse online buy Lasix Espécies exóticas — Apesar de comuns na Lagoa Feia, tilápias e carpas não são naturais do local. “Até bagres africanos já foram encontrados. Essas são espécies invasoras, introduzidas pelo homem”, disse o ambientalista. As espécies nativas mais comuns são bagre, robalo, acará e sairu.

Agonia dos pescadores

Pescadores têm encontrado dificuldade em tirar sustento da Lagoa Feia (Foto: Silvana Rust)

Pescadores têm encontrado dificuldade em tirar sustento da Lagoa Feia (Foto: Silvana Rust)

A Lagoa Feia é contornada por inúmeras propriedades rurais e, o que antes era espelho d’água, virou pasto. Mas o principal problema que aflige a comunidade pesqueira no momento é a sobrevivência das famílias. Onde se pescavam de 20 a 30 quilos de peixe por dia, por pescador, hoje são retirados apenas de cinco a sete quilos em um dia de muita sorte.

Ainda assim, os peixes são pequenos e não têm valor comercial. Para os moradores, o problema estaria nas comportas que regulam a quantidade de água da Lagoa Feia.

“Estamos vendendo o almoço para conseguirmos jantar. As comportas são administradas de acordo com os interesses dos fazendeiros”, denunciou o pescador Roberto Fernandes Gonçalves Júnior, de 37 anos.

Três quilos de peixe. Isso foi tudo que o pescador Edivaldo Prudêncio da Silva, 47, conseguiu retirar da Lagoa Feia depois de uma madrugada inteira de trabalho. Ele saiu por volta das 3h e retornou às 11h30 do último dia 14 com alguns pequenos exemplares da espécie sairu que, segundo Edivaldo, não dariam nem para o consumo da família.

“Já pesquei até 50 quilos de peixe em um único dia. Mas hoje não consegui nem para o almoço lá de casa”, reclamou.

A média de renda diária do pescador despencou de R$ 400 para R$ 80. “E a gente ainda tem que agradecer muito quando consegue esse valor”, afirmou Celso Ribeiro Gomes, de 78 anos.

Quanto ao problema da pesca enfrentado pela comunidade, Sofiatti reconhece que o fechamento das comportas atrapalha, mas que o motivo não seria só esse. “As comportas fechadas inviabilizam a entrada de peixes e algumas espécies têm por hábito desovarem no local onde nasceram. Eles não encontram a passagem aberta e acabam morrendo nesse caminho de volta. Mas também existe o desrespeito ao período da piracema, quando a pesca é proibida, e até realizada em excesso. Os pescadores retiram na lagoa mais peixes que o recomendado, comprometendo, assim, a reprodução dos animais”.

Inea

O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) informou, em nota, “que o manejo das comportas do Canal das Flechas é feito pelo órgão, através da Superintendência Baixo Paraíba do Sul. Mas a autorização para o seu manejo é concedida pela Câmara Técnica de Recursos Hídricos e Equipamentos Hidráulicos do Comitê de Bacias Hidrográficas do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana. De forma que o pleito tem que ser encaminhado ao Comitê para avaliação”.

O presidente do Comitê, João Siqueira, informou que, há cerca de 15 dias, três das 14 comportas do Canal das Flechas — único sistema de vazão da Lagoa Feia — foram abertas por três dias. Ainda segundo João, não houve pedido recente para nova abertura. “As comportas foram abertas para atender aos pescadores, mas houve muita reclamação de outros segmentos. O manejo dessas comportas é feito por um grupo, com representantes de vários setores da sociedade, inclusive dos pescadores. Uma votação é realizada toda vez que nos chega uma solicitação de abertura”, explicou Siqueira.

Sobre as invasões, o presidente do Sindicato Rural de Campos, Ronaldo Bartholomeu dos Santos Júnior, explicou que, ainda durante o Regime Militar, o DNOS criou uma política de drenagem da Baixada Campista, com a construção de diques, cerca de 1.500km de canais e estímulo de plantio de pastos, inclusive no entorno da Lagoa Feia.

“Se foi uma política equivocada, ela existiu. A gente ouve falar que houve invasão, mas, se tem, de fato, terra invadida, por que os órgãos fiscalizadores não tomam providências? Eles sabem onde é a área limítrofe da Lagoa Feia. Ou é falta de interesse desses órgãos ou há falta de verdade nessa história de invasão”, concluiu o presidente do sindicato.

Explosão de diques

Em dezembro de 2008, uma operação conjunta do Ministério Público Estadual (MPE), do Ministério Público Federal (MPF), da extinta Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla), e da Defesa Civil Municipal de Campos mandou pelos ares quatro diques irregulares construídos por fazendeiros na Lagoa Feia. As explosões foram autorizadas mediante liminar expedida pela Justiça Federal e executadas pelas Polícias Civil, Militar e Rodoviária Federal, além do Batalhão de Engenharia do Exército.

A liminar, concedida a partir de uma ação do MPF, tinha por objetivo minimizar os efeitos de enchentes e inundações provocadas pelo rio Ururaí. Mas também acabou beneficiando a Lagoa Feia, que ganhou de volta uma pequena parte de sua área invadida.

História

O registro mais antigo da Lagoa Feia que se tem notícia é de 1632, durante a primeira expedição dos chamados Sete Capitães à região. Os Sete Capitães eram militares que receberam do então governador do Rio de Janeiro, Martim Correia de Sá, terras que pertenciam à capitania de São Thomé, na época abandonada por seus donatários.