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Campos fora da rota do agronegócio

Por que um município que já foi o maior produtor de açúcar do país sente o gosto amargo da improdutividade?

Economia
Por Marcos Curvello
10 de julho de 2017 - 0h01
Município já foi o maior produtor de açúcar do Brasil (Foto: Silvana Rust)

Município já foi o maior produtor de açúcar do Brasil (Foto: Silvana Rust)

Antes da descoberta de petróleo na Bacia de Campos, em 1974, pela Petrobras, Campos dos Goytacazes subsistiu, por mais de 300 anos, da agropecuária. Segundo o pesquisador Alberto Lamego, o primeiro engenho de cana-de-açúcar da então Capitania de São Tomé foi fundado em 1650. A topografia das terras que viriam a se tornar o Norte Fluminense favoreceu o cultivo, que se tornou a atividade econômica mais duradoura da região. No século XVIII, a cidade possuía, sozinha, “mais engenhos do que Pernambuco, Sergipe e Bahia, e quase tantos quanto São Paulo”, aponta o cientista político José Luis Vianna da Cruz, em artigo publicado no livro “Formação Histórica e Econômica do Norte Fluminense”. Mas, após o ciclo positivo registrado entre 1850 e 1920, a modernização industrial desembocou na “proletarização do trabalhador da agricultura e agropecuária” a partir da década de 70. O êxodo rural foi o prenúncio da falência da indústria canavieira.

Hoje, o título de “Capital Nacional do Petróleo e do Açúcar” parece uma espécie de meia verdade. Segundo o estudo Retratos Regionais, publicado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) em maio de 2017, a agropecuária representa apenas 0,6% do PIB do Norte Fluminense. A participação do setor na economia do município é ainda menor: apenas 0,3%. As únicas três usinas ainda em funcionamento em Campos — Coagro, Paraíso e Canabrava — anunciaram em coletiva de imprensa, na última quinta-feira (6), o desenvolvimento de uma união inédita para tentar revitalizar o setor, que, há apenas 30 anos, moía o dobro do volume de cana que mói hoje. Uma breve volta pelas grandes redes de supermercado da cidade mostra que quem aposta em culturas diversas ou na agropecuária de corte e de leite também não vai tão bem assim. A maioria dos produtos tem origem no Espírito Santo e em Minas Gerais.

Nildo Cardoso aponta abandono do poder público como razão para o enfraquecimento do agronegócio na cidade (Foto: Silvana Rust)

Nildo Cardoso aponta abandono do poder público como razão para o enfraquecimento do agronegócio na cidade (Foto: Silvana Rust)

De acordo com Nildo Cardoso, superintendente municipal de Agricultura e Pecuária de Campos, uma das razões pelas quais a economia de um setor pujante se deteriora dessa forma é o abandono pelo poder público.

“A principal vocação de Campos é a agricultura, é uma característica histórica que, ao longo dos anos, foi ignorada na política de investimentos e desenvolvimento do município. Por uma anterior falta de prioridade, não houve fortalecimento adequado ao setor, principalmente no que diz respeito aos programas de incentivo à manutenção do homem no campo. Não foi criada uma alternativa econômica à cadeia produtiva do petróleo, que inclusive apresenta suas mazelas em momentos de queda no preço do barril, como acontece hoje, e gera inúmeros problemas financeiros e sociais”, afirma Cardoso.

O período de seca por qual o município passou nos últimos dois anos prejudicou a produção existente e levou os empresários da região a buscarem alternativas nos estados vizinhos, diz o superintendente.

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“Campos passou por uma seca severa, que acarretou na perda de produção e endividamento dos produtores. Parte deles mudou de ramo e deixou de atuar com a agricultura. Com a falta de oferta local para abastecer o mercado consumidor, os empresários e varejistas da cidade só tiveram a opção de buscar novos mercados fornecedores”, explica.

Cardoso garante, porém, que a prefeitura está empenhada em mudar este quadro. Atualmente, trabalhamos para que a superintendência de Agricultura e Pecuária leve os produtos do produtor campista às prateleiras dos mercados de toda a região.

“Já licenciamos algumas atividades no município e cerca de outras dez estão em processo de licenciamento. Empreendedores que trabalham com derivados de leite, fabricação de linguiça e destilação de cachaça, entre outras, já receberam suas licenças”, diz, apontando, ainda, a necessidade de se resolver o gargalo imposto aos produtores rurais pela logística: “a cidade possui vasto território, mas estamos viabilizando um projeto, junto a professores da Universidade Estadual do Norte Fluminense, para a reativação do Ceasa, por onde deverá passar produtos adquiridos da Agricultura Familiar para melhor distribuição no município. Queremos manter o homem no campo e dar condições a ele para isso”.

Agricultura familiar
hortaSegundo dados da superintendência municipal de Agricultura e Pecuária, quatro mil propriedades rurais familiares produzem alimentos em Campos. São hortaliças, frutas e legumes, produtos de avicultura, pecuária e suinocultura, que são vendidos em feiras, fornecidos a permissionários do Mercado Municipal e que suprem parcialmente as redes de supermercados da cidade.

“A agricultura familiar é a principal geradora de alimentos e o principal instrumento para garantir o fortalecimento do setor agrícola e, consequentemente o desenvolvimento, econômico de Campos. São essas pequenas propriedades que garantem a produção de que necessitamos no dia a dia”, aponta Cardoso.

Em anos passados, parte da produção da agricultura familiar era absorvida pelo próprio município. Pequenos produtores locais forneciam os alimentos utilizados no preparo da merenda escolar da rede municipal de ensino. Uma parceria que a prefeitura tenta restabelecer.

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“A Secretaria de Educação já está atuando com o cadastramento dos fornecedores locais, preparando a compra para atender a nossa demanda de merenda escolar. Outra ação para a aquisição de alimentos de produção local está sendo realizada pela política de compras governamentais, expandido a aquisição para outros equipamentos municipais que necessitem”, garante o superintendente de Planejamento Marcel Cardoso.

A agricultura familiar e a consolidação da educação do campo foram temas de audiência pública realizada na última terça-feira (4), na Câmara Municipal de Campos, pelo Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (Sepe-RJ). Participaram, ainda, a superintendência municipal de Agricultura e Pecuária, a secretaria municipal de Educação, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Coletivo Educampo e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Rio de Janeiro (Emater-RJ).

De acordo com a professora Graciete Santana, que é parte da diretoria do Sepe-RJ e presidiu a audiência, é preciso envolvimento ativo do Poder Público e criação de políticas específicas para fortalecer a agricultura familiar no município.

Sumiço
A audiência pública teve uma ausência notável. Nenhum dos membros da comissão de Agricultura, Pecuária, Políticas Rural, Agrária e de Abastecimento da Casa de Leis compareceu ao debate. O grupo é presidido pelo vereador Álvaro César (PRTB) e composta por Roberto Pinto (PTC) e Álvaro Oliveira (SD).

A reportagem de O Jornal Terceira Via tentou contato com Álvaro César para saber o motivo do não comparecimento, bem como quais atividades a comissão vem desenvolvendo, mas não obteve êxito até o fechamento da presente edição.