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Um tombo de R$ 2 bilhões

Advogado dos donos das terras em Cajueiro diz que desapropriações foram armadas pelo ex-governador Cabral e Eike Batista

Geral
Por Redação
12 de fevereiro de 2017 - 7h00

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Com a prisão do empresário Eike Batista, os olhos da mídia nacional voltaram-se novamente para o “polêmico” Complexo Portuário do Açu, em São João da Barra, e, consequentemente, para as famílias que tiveram suas terras desapropriadas pela Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (Codin-RJ), órgão de capital misto e ligado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Além da reportagem especial publicada na última edição de O Jornal Terceira Via, outros veículos de imprensa repercutiram o assunto e trouxeram à tona algumas questões, até então, obscuras.

O advogado Antônio Maurício Costa, autor de uma ação popular contra o Governo do Estado, a LLX (empresa de Eike que geria o Porto) e a Prumo Logística Global S.A. (atual gestora), denunciou que o ex-bilionário e o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, “deram um prejuízo de mais de R$ 2 bilhões” nas desapropriações no 5º Distrito de SJB. A realidade é que, para muitos, essa informação muda tudo, mas para quem sentiu na pele a dor de perder seus bens, “não é lá uma novidade”. O mesmo vale para aqueles que, de diversas formas, tentaram embargar o projeto desde a sua concepção.

Segundo o advogado, a origem desse “prejuízo” é que Eike Batista, junto ao Governo do Estado, não teriam pago as indenizações de acordo com a avaliação dos peritos judiciais. Isto é, o metro quadrado das terras foi avaliado em aproximadamente R$ 25/R$ 30, mas a quantia paga teria sido de cerca de R$ 0,25/m². Isso significa que o empresário deveria pagar muito mais do que os R$ 37 milhões previstos no contrato pelos 75 km desapropriados — embora só tenha sido quitado R$ 5 milhões desse valor

A “fraude”, de acordo Antônio Maurício Costa, aconteceu por meio de uma súmula do Supremo Tribunal Federal (STF) “que dá ao expropriante a possibilidade de depositar o que ele acha que deve por meio de um laudo fabricado por ele mesmo”, disse o advogado, que acrescentou: “A LLX e a Prumo incorporaram aos seus ativos essa área de terra como se fossem delas. Mas essas terras nunca foram pagas de fato”.

Agora, corre em segredo de Justiça a ação proposta pelo advogado pedindo a devolução das terras aos produtores e o pagamento integral da indenização. Além disso, o valor pago aos produtores rurais também não correspondia ao valor do aluguel cobrado pela empresa do Eike Batista pela mesma área, aliás, o aluguel custaria o triplo da quantia embolsada pelos ruralistas, de acordo com números divulgados pela própria LLX a respeito dos contratos com as empresas de apoio offshore e siderúrgicas — para uma área de 730 mil m², a LLX recebia cerca de R$ 6 pelo metro quatro por mês.

Ministério Público e Processos Judiciais

Esta semana, o Ministério Público Federal (MPF) recebeu inquérito da Polícia Federal (PF) e aceitou denúncia contra Eike Batista, o ex-governador Sérgio Cabral e mais sete pessoas, por corrupção e lavagem de dinheiro. A denúncia é resultado das operações Eficiência e Calicute, desdobramento da Operação Lava Jato no Rio, que já prendeu mais de 12 pessoas, entre familiares e ex-assessores ligados à Cabral.

Em resposta à equipe de reportagem de O Jornal Terceira Via, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) informou que, em relação ao empreendimento Porto do Açu, foram propostas três ações judiciais, além de terem sido instaurados diversos inquéritos civis para apurar eventuais danos ambientais.

As ações são: uma Ação Civil Pública proposta em face do Estado do Rio de Janeiro, Instituto Estadual do Ambiente (INEA), Ternium Brasil S/A e Siderúrgica Norte Fluminense S.A., processada pela 1ª Vara da Comarca de São João da Barra, no bojo da qual foi firmado TAC (já homologado pelo Poder Judiciário); outra Ação Civil Pública, já em baixa, proposta em face da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA) e da MPC – Mineração, Pesquisa e Comércio LTDA, processada pela 2ª Vara da Comarca de São João da Barra, no bojo da qual também foi firmado TAC, já homologado pelo Poder Judiciário; e uma Ação Penal (por crime contra a administração ambiental no processo de licenciamento da siderúrgica Ternium S/A, no Complexo Industrial do Açu), que está sendo processada pela 38ª Vara Criminal da Capital. A movimentação processual dessas três ações podem ser acompanhada no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ).

Quanto às desapropriações em São João da Barra, o MPRJ afirmou que “atua como fiscal da Lei, tendo atribuição para analisar os aspectos legais e formais dos procedimentos”. No entanto, o órgão garantiu que “não há, no presente momento, nenhum procedimento com vista aberta ao MPRJ” e que “todos estão com o Poder Judiciário”. Sobre as controvérsias em torno do valor das indenizações, o MPRJ se limitou a dizer que “tem opinado pela aplicação do valor de avaliação de mercado, tendo por base perícia técnica elaborada pelo Grupo de Apoio Técnico Especializado (GATE)”.

Fiscalização

Antes mesmo de Cabral e Eike serem investigados, foram conduzidas inúmeras audiências públicas para discutir a questão das desapropriações desde que o projeto foi iniciado. Em 2013, foi criada a “Comissão especial do Porto do Açu”, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e presidida pelo ex-deputado Roberto Henriques para apurar as consequências econômicas do projeto. No mesmo ano, a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHU/Alerj) tratou das denúncias relacionadas às violações dos direitos humanos e violência praticada contra os moradores do 5º Distrito de SJB. No início neste mês, o deputado estadual Bruno Dauaire (PR) também protocolou o pedido para a implantação de uma CPI a fim de apurar o processo das desapropriações em SJB.

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Se aqueles que foram ressarcidos não receberam a quantia justa, a situação é ainda mais complicada para 70% das 700 famílias que tiveram suas terras tomadas pela Codin e que garantem não ter embolsado sequer um centavo das indenizações prometidas durante o processo de desapropriação, que ocorreu entre 2009 e 2013. Inclusive esses produtores rurais afirmam ainda pagar os impostos anualmente pelas propriedades tomadas pelo Estado e até hoje passam por necessidades financeiras, enquanto vivem “de favor” na casa de amigos e parentes aguardando a promessa do ressarcimento.

Já aqueles que foram reassentados na Fazenda Palacete, situada na localidade de Água Preta, também não teriam recebido a escritura desses terrenos que, segundo a Associação de Proprietários Rurais e de Imóveis de São João da Barra (Asprim), oficialmente ainda pertencem ao Grupo Othon. São esses produtores e ruralistas os personagens desse enredo que há muito tempo vem “dando o que falar” e, agora, mais do que nunca.

“Em 1988 eu comprei, legalmente e com muito esforço, dois alqueires de terra, onde construí minha casa e iniciei uma farta plantação de maxixe, quiabo e eucalipto para garantir a renda da família. De um dia para o outro, às 6h da manhã, bateram na minha porta, tombaram a casa com todos os móveis dentro, inclusive um dinheiro que eu tinha guardado; levaram meu carro; meu motor de irrigação; soltaram meu gado e, após sete minutos de resistência, me prenderam e condenaram por desacato à autoridade. Eu, homem trabalhador, tive que responder na Justiça porque não saí com o ‘rabinho entre as pernas’, como eles queriam. Me chamaram de ‘rebelde’, mas eu deixei claro que eu só sairia da minha terra morto ou algemado: como não poderiam me matar, decidiram me prender. Já se passaram cinco anos, mas essa história me revolta até hoje”, contou Juarez Alves da Silva, que afirma não ter recebido “um centavo” pelo que perdeu em 2012.