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Uenf respira, mas não sai do sufoco

Empresa que administra Restaurante Universitário se nega a renovar contrato e retorno das aulas pode ser adiado

Campos
Por Thiago Gomes
23 de janeiro de 2017 - 0h01
Foto: Silvana Rust

Dívida da Uenf é de R$ 40 milhões, mas pode voltar para R$ 50 milhões nos próximos dias (Foto: Silvana Rust)

Se 2016 foi um ano difícil para a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), em 2017 a história pode não ser diferente. A Uenf começou janeiro com o pé esquerdo, quando a empresa que administra o Restaurante Universitário se negou a renovar seu contrato de prestação de serviço. Também existe a possibilidade de adiar o retorno das aulas, que estava previsto para o próximo dia 30. Mas os problemas não param por aí. Dívida de R$ 40 milhões que se multiplica a cada mês, evasão de alunos, deterioração de sua estrutura física, atraso do calendário letivo e a delicada situação financeira do Governo do Estado do Rio de Janeiro — que não repassa um centavo sequer à instituição de ensino há mais de um ano — são apenas alguns dos desafios a serem enfrentados nos próximos meses. Apesar do cenário, a comunidade acadêmica está disposta a não deixar o sonho de Darcy Ribeiro e Leonel Brizola acabar.

De acordo com o reitor da Uenf, Luis Passoni, até o dia 13 de janeiro, a dívida da universidade era de R$ 50 milhões. Mas o Governo do Estado depositou a última parcela do pagamento dos servidores referente a novembro e também parte das bolsas dos estudantes, o que amortizou o rombo em R$ 10 milhões. “No entanto, se houver novo atraso dos salários de dezembro e das bolsas, o que é provável que aconteça, dentro de 10 dias a dívida volta aos R$ 50 milhões. Recebemos uma posição otimista da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação de que a partir de março os salários serão quitados em dia”, esclareceu Passoni.

Ainda segundo ele, os esforços de toda a comunidade acadêmica continuam para que a universidade mantenha as atividades. “Vamos seguir trabalhando com o forte propósito de manter a universidade de portas abertas. Mas não dá para negar que a situação está cada vez mais difícil, fica cada vez mais complicado manter as condições mínimas de funcionamento da Uenf sem o repasse do Governo do Estado”, alertou Passoni.

A presidente da Associação de Docente da Uenf (Aduenf), Maria Angélica da Costa, conta que a verba para custeio não é repassada desde outubro de 2015 e, por isso, falta tudo no campus Leonel Brizola. A professora revela que a Uenf teve que se desfazer de animais porque não tinha dinheiro para comprar ração. Esses animais são utilizados, por exemplo, para estudo e pesquisas dos cursos de Medicina Veterinária, Biologia e Zootecnia.

(Foto: Silvana Rust)

Segundo Passoni, esforços para salvar a universidade continuam (Foto: Silvana Rust)

“Desde 2015 estamos vendo a situação da universidade ficar cada vez mais crítica. Em 2016 os problemas foram se arrastando e chegamos até o final do ano ainda sem repasse da verba de custeio, o que resultou nesta grave crise. Estamos com salários atrasados, os estudantes estão com bolsas em atraso, não contamos mais com vigilância nos prédios e os serviços de limpeza e manutenção estão prejudicados. Devido a essa situação, alunos estão procurando outras universidades”, detalhou a professora.

Situação dos estudantes
A fama de ser uma das melhores universidades do Brasil trouxe para Uenf a engenheira agrônoma Gessica Xavier Torres. Ela deixou o Maranhão há cerca de um ano para fazer mestrado em Produção Vegetal, mas não contava com as complicações enfrentadas pela instituição ao longo de 2016. Sua bolsa de estudos — recurso que usa para se manter longe de casa — chegou a atrasar por quatro meses, quando Gessica pensou em deixar Campos. Atualmente, a bolsa da estudante está atrasada há um mês.

“Essa situação deixa o estado psicológico dos estudantes muito abalado. Com os atrasos das bolsas, o aluguel e as outras contas foram chegando e, sem poder pagá-las, me causou muita preocupação. Isso afeta diretamente o desempenho. Só Deus que me sustentou em Campos durante esse último ano”, desabafou a engenheira agrônoma.

A falta de segurança foi outro problema lembrado por Gessica. “Certo dia eu estava na universidade fazendo uma análise no laboratório, já passava das 21h, quando teve uma perseguição policial próxima ao Restaurante Universitário. Meus colegas me avisaram por telefone sobre a situação e, graças a Deus, encontrei um amigo que me levou para casa. Eu fiquei apavorada e, depois desse dia, procurei não ficar mais até tarde na Uenf. O que precisa ser resolvido, faço logo até as 18h para não correr riscos”.

Recentemente a Uenf foi alvo de vandalismo. Durante o feriado de final de ano, houve invasão de prédios e depredação de patrimônio. A empresa que prestava serviço de segurança patrimonial interrompeu as atividades em novembro de 2016 por falta de pagamento. A medida paliativa para o problema foi fazer parceria com a Polícia Militar e Guarda Civil Municipal para que as corporações ajudassem na segurança dos alunos dentro do campus.

(Foto: Silvana Rust)

Segundo a universidade, evasão de alunos em 2016 foi de 20% (Foto: Silvana Rust)

Evasão de alunos
Outra questão a ser enfrentada pela Uenf é a evasão de estudantes, que no último ano chegou a 20%. Isso porque os aprovados demoram quase seis meses para iniciarem os estudos de forma efetiva, já que o calendário da universidade está atrasado. O primeiro semestre de 2016, por exemplo, terminou em dezembro e o segundo semestre, previsto para ter início em 30 de janeiro, pode ser adiado.

O chefe de gabinete Raul Ernesto Lopez Palacio explica que os alunos que optaram pela Uenf no último Sistema de Seleção Unificada (Sisu) devem realizar as matrículas relativas ao primeiro semestre de 2017 neste mês. No entanto, as aulas para os calouros só deverão começar em junho.

“Para baixar o índice de evasão, estamos planejando uma programação especial para esses novos estudantes, com eventos que serão realizados antes do início do ano letivo, com o objetivo de inseri-los na comunidade acadêmica e incentivá-los a permanecerem conosco”, disse Raul Ernesto.

Até o fechamento desta edição, o Colegiado Acadêmico da universidade ainda decidia se o retorno das aulas seria adiado ou não.

Campanha
“Defender a Uenf é defender o Rio de Janeiro”. Este é o nome da campanha idealizada pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) com participação de toda a comunidade acadêmica, que será posta em prática nas próximas semana. O presidente do DCE, Gilberto Gomes, explica que o objetivo é mostrar para todo o Rio de Janeiro os impactos negativos que o eventual fechamento da universidade causaria ao Estado. “Não vamos desistir”, afirmou.

Ainda de acordo com presidente do DCE, a situação da universidade é realmente crítica, a ponto de não haver recurso para colocar combustível nas máquinas e veículos. Gilberto lamenta que as pesquisas estejam sendo impactadas e, por isso, reitera a necessidade de chamar a atenção não apenas da população do Norte Fluminense, mas de todo o Rio para a defesa da Uenf.

Patrimônio de Campos
A Uenf é um conjunto arquitetônico que leva a assinatura de Oscar Niemayer, maior expoente da arquitetura modernista brasileira. Enquanto o plano orientador da universidade foi elaborado pelo antropólogo e senador Darcy Ribeiro, foi Niemeyer que emprestou suas curvas para compor o Campus Leonel Brizola, que leva o nome do ex-governador que abraçou a causa e tirou a instituição do papel em 1991. A partir da vista aérea da Uenf é possível perceber como os prédios são agrupados na forma de um cocar, já que o município foi habitado primitivamente pelos índios Goitacá, embora eles não usassem adorno na cabeça.

Quando o então governador Leonel Brizola decidiu implantar a Uenf, ela saiu rapidamente do papel graças à engrenagem que já existia para a construção dos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), popularmente conhecidos como Brizolões. Devido à urgência em sua fundação, os prédios da universidade seguiram as mesmas linhas dos Cieps. Também dos traços de Niemayer surgiu o Centro de Convenções, cuja forma se assemelha a um apito. Inaugurado em 2007, ele ocupa área total de 8.260m² e possui três níveis.

(Foto: Silvana Rust)

(Foto: Silvana Rust)

Estrutura — A Uenf é estruturada em quatro centros: Centro de Biociências e Biotecnologia (CBB), com seis laboratórios vinculados; Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias (CCTA), com 11 laboratórios; Centro de Ciências do Homem (CCH), que possui outros cinco laboratórios; e Centro de Ciência e Tecnologia (CCT), com oito laboratórios vinculados. Além dos quatro centros, há também no campus o prédio da reitoria, o Hospital Veterinário, o restaurante universitário e o Centro de Convenções, além de um complexo desportivo (duas quadras cobertas, piscina, campo de futebol society, quadra de areia e gramado). Ainda faz parte do patrimônio da Uenf a Casa de Cultura Villa Maria.

Resposta do Governo
Em nota, a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti) informou que “tem concentrado esforços para ajudar a resolver os problemas emergenciais da universidade, sempre ao lado da reitoria, e viabilizar o funcionamento da instituição. Estamos trabalhando para que o governo, através da Secretaria de Estado de Fazenda, repasse um valor mínimo de custeio para a universidade. Ao mesmo tempo, sabemos que o país e, em especial, o Estado do Rio de Janeiro, passam por uma grave crise econômica, com reflexo direto no fluxo de caixa estadual. O governo já deixou claro que a prioridade tem sido o pagamento de salário dos funcionários, e o repasse de verbas depende desse caixa estadual”.

Sobre o repasse de recursos para salários, bolsas e custeio da Uenf, a Secti pediu que a equipe de reportagem entrasse em contato com a Secretaria de Estado de Fazenda e Planejamento. No entanto, até o fechamento desta edição o órgão não havia enviado resposta.