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Exames com resultados diferentes geram polêmica em diagnóstico de câncer

Família cita prejuízo de R$ 8 mil com exames. Filha do idoso foi demitida do hospital onde o caso aconteceu

Campos
Por Redação
17 de janeiro de 2017 - 8h00
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João ficou internado no setor de oncologia do Hospital Beneficência Portuguesa (Foto: Arquivo Pessoal)

Imagina conviver com o diagnóstico de câncer no estômago por aproximadamente um ano e, após despender R$ 8 mil em exames, descobrir que nunca teve a doença. Essa é a história do aposentado João Pinto dos Santos, de 85 anos, que pensou estar à beira da morte quando esbanjava saúde. O suposto erro aconteceu no Hospital Beneficência Portuguesa, em Campos, onde a filha dele, Kíssila de Oliveira dos Santos, trabalhava. Em busca de uma resposta para o incidente, ela procurou a administração da unidade e, três meses depois, foi demitida com uma justificativa que afirma não ser aceitável.

Segundo Kissíla, a “via crucis” começou quando o pai reclamou de dor no estômago após as refeições. Ela o levou a um médico que solicitou uma endoscopia e coleta de material para biópsia. O resultado chegou dias depois e o diagnóstico não poderia ser pior: câncer. Dias depois, João apresentou sintomas de pneumonia e foi internado no Centro de Terapia Intensiva (CTI) do Beneficência Portuguesa. Na ocasião, os médicos que o atenderam desacreditaram a família e os irmãos de Kissíla que moram em Brasília e Fortaleza, vieram a Campos para se despedir do pai. Ao contrário do que imaginavam, o quadro de saúde melhorou e João recebeu alta da internação, mas ainda precisava continuar o tratamento do câncer.

Devido à gravidade do diagnóstico, os médicos pediram para que os exames fossem feitos com urgência e, por isso, não poderiam ser executados por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Desse modo, Kíssila e os irmãos precisaram gastar cerca de R$ 8 mil com biópsia, ressonância magnética, exame de sangue, entre outros. “Eu e minha irmã trabalhávamos lá e pedimos para que o valor de alguns desses exames fosse descontado nos nossos salários, mas não autorizaram. Precisamos pedir empréstimos para conseguir esse dinheiro”, contou.

Seis meses após receber a notícia de que João tinha câncer, outro médico, também do Beneficência Portuguesa, solicitou que o pai de Kíssila fizesse novos exames para identificar a progressão da doença. Duas semanas depois, chegou o resultado do segundo exame, mas o nome do João, a idade e o nome do médico que fez a coleta estavam trocados. Kíssila procurou a administração do hospital para notificar o erro e decidiu fazer os exames novamente, dessa vez no Hospital Escola Álvaro Alvim. Foi aí que veio a maior surpresa: João não tinha câncer.

Kíssila mostrou à administração do Beneficência Portuguesa o resultado do exame feito no Álvaro Alvim e, após mais duas semanas, o primeiro hospital encaminhou outro resultado reafirmando a ausência da doença. O que João tinha era uma bactéria no estômago, chamada H. Pylori, e uma úlcera em estágio primário. Em três meses, ele tratou os dois problemas e permanece saudável.

— Durante todo esse período, eu e meus irmãos ficamos desesperados. Sabemos o quão agressivo é um câncer no estômago e não medimos esforços para salvar o nosso pai. Mas quando recebemos a notícia de que ele não tinha essa doença, nosso primeiro sentimento foi de alívio, mas em seguida sentimos indignação. Se o meu pai não tem câncer, outra pessoa tem e está por aí, acreditando estar bem — disse Kíssila.

Ela disse ainda que procurou o setor de Serviço Social do Beneficência Portuguesa que a encaminhou à Ouvidoria. Lá, ela precisou escrever uma carta, de próprio punho, contando o que houve. Esse documento deveria ser entregue ao diretor do hospital, Dr. Jorge Miranda, mas até o momento não obteve resposta.

De acordo com Kíssila, o médico patologista responsável pelo laboratório do Beneficência Portuguesa teria se manifestado sobre o assunto em uma rede social. Ele disse que “não houve erro no diagnóstico” e que a acusação foi baseada “em um segundo exame de biópsia de local provavelmente diferente da biópsia original”. O médico acrescentou que “biópsias em diferentes lugares no mesmo órgão podem ter resultados diferentes” e que “mesmo sem ter tido acesso ao segundo laudo, acredito que isso foi o que aconteceu”. Ele afirmou também que “as lâminas originais continuam no meu laboratório prontas para serem reexaminadas por outro médico especialista, que poderá confimar meu diagnóstico”.

Sempre respeitando o princípio do contraditório e buscando diferentes versões para o mesmo fato, a equipe de reportagem entrou em contato com o médico e aguarda resposta.

Demissão

Kíssila trabalhava como lactarista — responsável por preparar a nutrição dos recém-nascidos na UTI Neonatal — há dois anos. Após a descoberta do diagnóstico errado, ela disse ter sofrido perseguição por parte da administração da unidade. De acordo com Kíssila, na sexta-feira, 6 de janeiro, ela encaminhou o pedido de um leite especial ao setor responsável, o que, segundo a lactarista, era o procedimento de praxe. Na segunda-feira (9), não teriam encontrado o leite solicitado por ela e a acusaram de não ter feito o pedido ao hospital. “Eles simplesmente me demitiram e ainda pediram para eu fazer um acordo e devolver os 40% de multa recisória. Eu disse que ia entrar na Justiça e eles ameaçaram não me pagar o que devem. Se isso não é perseguição, eu não sei o que é”, afirmou.

— Estamos de mãos atadas. Meu pai passou por um trauma. Ficou internado no setor de oncologia, viu pessoas gritando de dor e morrendo ao lado dele, quando não precisava estar ali. Nós gastamos um dinheiro que não tínhamos e não temos para pagar por exames que não precisavam ser feitos. E agora eu fui demitida sem uma causa justa. Estou procurando a imprensa porque não quero que outras famílias passem por essa mesma situação — concluiu.

A reportagem do Terceira Via telefonou para o Hospital Beneficência Portuguesa, mas não conseguiu completar a ligação.

Veja os exames:

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O primeiro e o segundo exame feito no Beneficência Portuguesa (Foto: Reprodução)

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O diagnóstico do Beneficência Portuguesa (Foto: Reprodução)

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O diagnóstico do Álvaro Alvim (Foto: Reprodução)